um olho mais azul e fios lisos

Lucas Kelly
3 min readFeb 17, 2024

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Esses dias eu terminei de ler um romance de Toni Morrison: “O olho mais azul”. Não quero entrar em muitos detalhes da história porque recomendo imensamente que você leia em algum momento. Mas a história é sobre Pecola, uma menina negra que tem um desejo: ter olhos azuis. Ela acredita que isso fará ela ser aceita, querida por todos a sua volta.

Toni Morrison é muito perspicaz ao falar sobre uma tema tão recorrente: a padronização da beleza e a opressão da branquitude sobre corpos negros. Pecola não enxerga em si nada que poderá fazê-la ser acolhida, e por isso, deseja não mais ser quem realmente é.

Eu estava em lágrimas nas últimas páginas. É bem comum eu chorar em histórias, mas acho que aqui algo me pegou um pouco mais. Voltei a anos atrás em quando eu adorava o Peter Parker. Assistia a todos desenhos e filmes do Homem-Aranha. E ali entre 2012 e 2015, quando surgiu o Homem-Aranha do Andrew Garfield, eu queria a todo custo ser como ele. Ter suas roupas, seu gorro vermelho, sua fisicalidade. E claro, ter seu cabelo. Para que isso acontecesse, eu me submeti a um processo: usei guanidina no cabelo. Eu queria que meu cabelo fosse liso. Liso como o cabelo do Peter Parker.

E sim, ele ficou. Não como eu esperava. Fui processo bem dolorido. Meu couro cabeludo ficou com feridas que duraram muitos dias para cicatrizar. Eu queria ter um cabelo de Peter Parker. O cabelo de um jovem branco.

Sei que pode parecer engraçado essa história, e para você que já leu o livro da Toni Morrison, talvez o que estou contando sobre mim nem se compare a tudo que Pecola passou. Mas o que fiquei pensando é sobre o quanto a branquitude captura nosso imaginário para redesenhar aquilo que conhecemos como belo. Acreditamos que nossos cabelos crespos são ruins; nossa pele escura é estranha; nossos olhos que não são azuis não serão desejados por ninguém.

Mas essa opressão não surgiu por um acaso. Foi planejada. Cida Bento vai descrever a existência de um pacto narcísico entre brancos para que haja uma preservação da sua imagem. Por isso, o negro é uma ameaça, o negro é o diferente que pode acabar com os privilégios. Então, tudo o que resta é oprimi-lo, ofender sua cor, minorizar sua pele para que a supremacia branca não acabe.

Acho importante dizer que Cida Bento não incentiva em nenhum momento uma guerra entre negros e brancos. Não incentiva que a comunidade negra agora ocupe o domínio. O que ela deseja é que toda pessoa negra possa ter seus próprios olhos, seu próprio cabelo sem que seja considerada inferior.

E é o que desejo também. Que crianças negras olhem pra tela e achem incrível alguém com o mesmo cabelo delas, a mesma cor. Uma cor que não é defeito. Só desejo que elas olhem para si e não queiram mudar nada.

Cena de “Hair Love”, de Matheew Cherry (2019)

Lucas Kelly

verão, fevereiro de 2024

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